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Matéria Especial : 'O Cinema e o Orgulho LGBT' - Parte 2

Por Vinícius Martins @cinemarcante 




Dentro do megalomaníaco universo do cinema - onde filmes e seus enredos parecem se repetir ano após ano -, ser ousado ao ponto de ser original é, na maioria das vezes, quase uma blasfêmia. Há quem se arrisque - ainda bem - e, tentando, consegue inovar e criar algo novo e realmente bom, ou ainda com sorte redefinir o gênero (como o primeiro ‘Atividade Paranormal’, por exemplo, que deu novos rumos para o terror). Na televisão vimos um ótimo caso recentemente com 'Sense 8’, das Wachowski, que reinventou o formato como múltiplas histórias são contadas e gerou uma obra prima que dificilmente será superada.


'Sense 8' , das irmãs Wachouski , série da Netflix

No cinema também há pessoas com o nome bem lembrado por “dar o primeiro passo” e revolucionar a maneira como determinado assunto é visto. As obras dessas pessoas é o nosso objeto de estudo nessa segunda parte do especial.

Antes dessa revolução cinematográfica que ocorre hoje em dia, a indústria teve seu ‘período de trevas’ para a comunidade LGBT, que ainda estava, em sua maioria, ansiando sair do armário e se libertar dos tabus e dogmas de sexualização que o próprio cinema ditava. E antes disso ainda, nos primórdios dos tempos das câmeras filmadoras, esse assunto já era discutido e chegou inclusive a ser abordado. No ano de 1895, o brilhante Thomas Edison (desculpe, não pude resistir ao trocadilho com o 'brilhante’), que todo mundo conhece por ter criado a lâmpada, rodou um breve filme que ficou com o título de 'The Gay Brothers’. Nesse pequeno filme (que está disponível no YouTube) com menos de vinte segundos, o diretor colocou em um único quadro as figuras de um violinista e dois homens dançando, abraçados, ao som da valsa tocada ao violino. Este é o primeiro registro que se tem de uma indicativa comportamental homossexual no cinema. Há quem diga que foi um escândalo na época, mas também tem quem defenda que a dança entre homens era um costume comum na época. Independente do que tenha acontecido, o tal 'primeiro passo’ a que me referi teve como pioneiro um vídeo pequeno e simples, mostrando de forma direta e leve como uma dança masculina pode acontecer sem ser ofensiva, deixando a interpretação quanto ao relacionamento dos envolvidos (que poderiam ser irmãos, amigos ou mesmo amantes) a critério do espectador. O termo ‘Gay’, caso você não saiba, é uma palavra em inglês com origem no vocabulário francês medieval, onde 'gai’ significa basicamente “aquele que inspira alegria”, e não indica exatamente que o ‘gai’ é homossexual. Portanto, os homens dançando poderiam ser literalmente irmãos, como sugeriu o título. Fica aberta a interpretação.


Charlie Chaplin em 'A Mulher' - 1915
Pouco tempo depois (se é que doze anos podem ser considerados pouco tempo), o grande Ben Kingsl… digo, Georges Méliès, deu vida a uma história fantástica chamada 'O Eclipse: Ou a Corte do Sol à Lua’, onde uma lua com face masculina flerta com um sol também masculino (que é a cara do Nosferatu). Charles Chaplin também insinuou o comportamento gay quando se travestiu em 'A Mulher’ em meados dos anos dez.  Porém, o grande trunfo veio junto com o primeiro vencedor do Oscar, que levou em 1927 a estatueta de Melhor Filme pra casa: Asas. É nesse clássico em preto e branco que está o primeiro registro de um beijo gay em um filme. Tem gente que bate o pé até hoje e diz que aquilo não valeu como beijo, mas analisando a cena como um todo é perfeitamente cabível afirmar que foi um beijo sim.


'Asas' (1926) , o primeiro beijo gay no cinema 

De lá pra cá o cinema teve seus altos e baixos, usando os gêneros visuais para criar uma linguagem própria que fosse entendida por todos e, principalmente, aceita. Há milhares filmes que deixam subentendido o contexto homossexual (embora se torne evidente a intenção dos diretores), como é o caso do clássico 'Festim Diabólico’, do mestre Alfred Hitchcock. Obras belas como o recente ‘O Caminho das Dunas’ de 2011 trata da descoberta da sexualidade com mais liberdade, contrastando com a abordagem tímida e pouco realista das produções de décadas atrás.

A partir dos anos 60, com os movimentos hippies, black e feministas, a luta pela liberdade se tornou uma constante presente nas ruas; e no cinema não foi diferente. Essas manifestações deram coragem aos produtores para tratar o mundo LGBT com todas as suas complexidades e seus dilemas, colocando cenas de beijo e até indicando a relação sexual entre eles. Uma obra que se destaca é 'Minha Adorável Lavanderia’, de Stephen Frears, que apresenta um refúgio onde os amantes que a protagonizam tem instantes de amor livre em meio à complicada sociedade britânica dos anos 70.


'Hoje Eu Quero Voltar Sozinho' - 2014
O mercado nacional não deixa a desejar. Filmes como 'Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’, 'Carandiru’ e ‘Praia do Futuro’ retratam a temática de diferentes formas, com personagens marcantes e histórias que geram uma reflexão sobre a cultura que nos cerca.

Mas apesar de com o passar dos anos a forma como o gay ser representado ter mudado, ainda hoje há um enorme problema em relação ao objetivo de algumas produções. Voltando a falar de ‘A Bela e a Fera’, tenho que deixar claro que não gostei da forma como Le Fou foi “adaptado” para atender ao público LGBT. Não gostei nem por terem mudado a orientação sexual do personagem (que já estava fixo na memória popular como um porcalhão) e nem pela opção de torná-lo uma caricatura em um filme que não assume esse caráter. 'Brüno’, por outro lado, foi um filme a ser aplaudido. A produção de 2009 estrelada por Sacha Baron Cohen assume seu próprio aspecto enfadonho, ironizando e satirizando o gay com a intenção de ser propositalmente ridículo, aumentando os estereótipos e entregando um espetáculo de exageros para (talvez) mudar a consciência coletiva ao mostrar a força e a fragilidade do ser homossexual. Le Fou era necessário, mas não daquele modo, teria sido melhor se a Disney tivesse criado um outro personagem - um protagonista, de preferência - e dado para ele profundidade e uma jornada bonita ao invés de usar o gay em ‘A Bela e a Fera’ como um alívio cômico forçado e bastante sem graça. Faltou coragem para ousar mais e fazer o trabalho digno de um estúdio de alto potencial como a Disney. Afinal, a tal casa de ideias não pode entregar menos do que o melhor.


Jake Gyllenhaal e Heath Ledger em 'Brokeback Mountain'
Felizmente, filmes sérios também tem reconhecimento de crítica e público.  Uma vitória significativa para a representatividade foi a conquista (conturbada, diga-se de passagem) do Oscar de Melhor Filme para 'Moonlight' esse ano, assim como a indicação de 'O Segredo de Brockeback Mountain’ em 2005; mas ainda existe muito a ser observado no que diz o respeito às diversidades.  

Em pleno século XXI deve-se assumir que é vergonhoso ainda termos que debater a liberdade particular das outras pessoas. Um brinde ao cinema LGBT, que torna a vida um pouco mais colorida e nos ensina novas modalidades de amor e, principalmente, de respeito.





'Papo de Cinemateca - Porque Cinema e Diversão é com a Gente Mesmo!'

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