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PiTacO do PapO - 'Viva - A Vida é uma Festa’ | 2017

NOTA 10

Lembre de mim

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Cláp, cláp, cláp. Eu gostaria de começar esta crítica com aplausos. Claro, não dá pra emitir sons por meio de um texto escrito, por isso usei a onomatopeia como ilustração. Mas peço que você imagine, só por um instante, um auditório lotado, imerso no êxtase de um crescente e incessante bater de palmas. Isso exemplifica bem o que o filme 'Viva - A Vida é uma Festa’ merece.

O título em português expressa bem o sentido da nova obra dos estúdios da Disney (cujo original em inglês é 'Coco’). A festa de cores, canções e empatias que se faz a cada nova cena é uma maravilha audiovisual, emotiva e explosiva.

Havia tempo (muito tempo, na verdade) que eu não chorava tanto em um filme. Não há vergonha alguma no choro ou no ato de assumi-lo; pelo contrário, isso mostra que um filme, com suas limitações e sua arte, pode tirar o indivíduo de sua bolha e transportá-lo para algo maior que ele. Michael Ondaadje escreveu uma famosa citação comparando filmes com uma sopa que é servida para centenas de pessoas, enquanto exaltava a leitura de um livro, afirmando que esse ato é um jantar solitário e, obviamente, melhor servido. Ondaadje certamente não assistiu 'Viva’, porque se o tivesse feito teria classificado-o como nada menos do que um verdadeiro banquete.



O mais novo filme da Pixar apresenta um toque intimista e cruelmente delicado, visto antes apenas, talvez, em 'DivertidaMente' (2015). A proposta inicial parece ser de colocar o público em um cenário de conflito familiar, onde laços estreitos e sensíveis são postos na mesa de modo que o protagonista tenha o dilema entre escolher ser quem ele quer ser ou se tornar aquilo que já é planejado para sua vida. Só que, em uma jogada de mestre, o objetivo muda sutilmente e passa a ser uma jornada de resgate. O jovem Miguel (voz de Anthony Gonzalez), que começa o filme deslocado em seu meio como uma vítima de seus gostos em contraponto com o ódio mortal de sua família pela música, se torna alguém igualmente deslocado como vítima de seus gostos musicais tendo que enfrentar a fúria de seus familiares, só que no além. Acontece que a criança vai parar na dimensão dos mortos, onde estão seus antepassados, e o que deveria ser mais um filme sobre alguém que tenta retornar para a casa, vai aos poucos se moldando como uma introspecção sedimentar, dissecando por suas camadas, a verdade trágica sobre o passado de sua família.

Tradicionalismo e renovação são debatidos com a inocência da visão infantil, só que com peso suficiente para provocar o repensar dos conceitos tão estabelecidos pelos adultos sobre eles mesmos. Seria fácil apontar 'Viva’ como um filme de apelo espírita, doutrinando as crianças para os dogmas da crença e levando-as a acreditarem que a morte pode ser divertida para quem morrer. No entanto, o filme não deve ser visto sob esse olhar. Antes de mais nada, ele é uma produção sobre a cultura do México, sobre o que para eles é equivalente ao nosso carnaval. O Dia dos Mortos é um evento anual de celebração, tanto da morte quanto da vida, onde honra-se a memória daqueles que já não estão mais entre nós. E é nesse ponto que podemos ver o entrelaçar das mitologias mundiais.


Assim como no filme 'A Origem dos Guardiões’, onde Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente, Sandman e Jack Frost dependem da crença das crianças neles para existirem, a “vida” dos mortos em 'Viva’ dependem de alguém no mundo dos vivos que coloque suas fotos nos altares no Dia dos Muertos ou que, pelo menos, se lembre deles como eram quando vivos. Essa filosofia existencial se mostra também na mitologia grega (o autor Rick Riordan encenou isso em sua série de livros Percy Jackson), e pode-se dizer que seja uma verdade universal. Até mesmo Deus, no romance francês 'Deus é meu camarada’ (obra de Cyril Massarotto, que recomendo veementemente), depende da crença da humanidade para continuar a existir.

‘Viva - A Vida é uma Festa’ é uma ode ao desejo da nossa infância sobre o que queríamos para o futuro, de quando planejávamos ser bombeiros, médicos ou astronautas, e ao remetente memorial de quem tornou nossa vida possível. É um filme que abraça o velho olhando para o novo, e tudo está conectado de alguma forma. Seja pela reviravolta (que previ assim que o garoto passou pro lado de lá) ou pela música tão cantada durante o longa, o entrelaçar das histórias se faz digno e belo, com um jogo de cores hipnotizante e magicamente intenso. Então viva a beleza desse filme e leve lenços para a sessão, você vai precisar. E tenha sempre em mente que ninguém está morto de verdade enquanto for lembrado. Viva!


Super Vale Ver !


DIREÇÃO

  • Adrian Molina, Lee Unkrich

EQUIPE TÉCNICA

Roteiro: Adrian Molina, Jason Katz, Lee Unkrich, Matthew Aldrich
Produção: Darla K. Anderson
Fotografia: Danielle Feinberg, Matt Aspbury
Trilha Sonora: Michael Giacchino
Estúdio: Pixar Animation Studios
Montador: Lee Unkrich, Steve Bloom
Distribuidora: Disney

ELENCO

Alanna Ubach, Alfonso Arau, Ana Ofelia Murguía, Anthony Gonzalez, Benjamin Bratt, Blanca Araceli, Carla Medina, Cheech Marin, Dyana Ortelli, Edward James Olmos, Gabriel Iglesias, Gael García Bernal, Herbert Siguenza, Jaime Camil, John Ratzenberger, Lombardo Boyar, Luis Valdez, Natalia Cordova-Buckley, Octavio Solis, Renee Victor, Salvador Reyes, Selene Luna, Sofía Espinosa

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