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Livro Vs. Filme : 'Jogador Nº 1'

Por Vinícius Martins @cinemarcante 


Julgar uma adaptação é uma tarefa bastante complicada. Haverá sempre os que defendem e os que condenam o resultado final, mas ninguém discorda que quando chega aos cinemas o filme baseado em um best-seller, a ansiedade por parte de quem leu o material original fica nas alturas. Com a nova coluna 'Livro vs. Filme', concebida e redigida por Vinícius Martins, iremos colocar os materiais frente à frente e compará-los em sua essência, com as nuances dos detalhes e fragmentos de cada um, sem esquecer o conceito que define a palavra “adaptação”. E pra inaugurar a coluna, começaremos com a nova febre do momento, 'Jogador Nº 1', que chega hoje aos cinemas. 


Obra: JOGADOR N°1
Autor do livro: Ernest Cline
Direitor do filme: Steven Spielberg


É difícil falar de cinema sem tocar no nome de Steven Spielberg. O criador de tendências e criativíssimo diretor é o responsável por trazer às telas a adaptação da obra 'Jogador Número 1’, de Ernest Cline, que curiosamente teve muito de seu espírito inspirado nas obras clássicas do cinema de Spielberg.

O livro é absolutamente incrível, isso é inegável. Entretanto, como trata-se de uma adaptação, algumas mudanças são feitas e elementos são acrescentados ou extraídos para dar melhor andamento a trama e simplificar a síntese do que o autor quer passar, sem deixar de lado seu conceito. Hoje, com a estreia de 'Jogador Número 1’, vamos citar algumas diferenças notáveis entre as duas mídias: a escrita, que é o material original, e a audiovisual, que é a adaptação para o cinema.

Comecemos, pois, pelo começo. O livro trata centenas de referências a livros, filmes, jogos, músicas, discos e artistas dos anos oitenta em diante - focando especialmente na década de oitenta, que é o centro da trama. E no filme, meus queridos, há uma chuva meteórica de referências caindo de todos os lados, enchendo a tela em seus planos abertos. Já dá pra estimar que esse é um daqueles filmes que serão minuciosamente estudados quando o Blu-ray for lançado, quadro a quadro, para que cada mínima referência seja localizada e identificada.



Entretanto, o livro não tem seu foco em sequências de ação. O filme, ao contrário, pesa a mão nas cenas onde há alguma possibilidade de movimentação. Foram criadas cenas para o filme que envolvem o DeLorean, carro da franquia 'De Volta Para o Futuro’, sendo que o carro só é visto uma única vez no livro, quando o protagonista Parzival vai em uma festa organizada pelo Grande Og. No filme, o carro que viaja no tempo participa de uma corrida alucinante que faz brilhar os olhos em um 3D muito bem empregado, e inclusive foge de um Tiranossauro Rex da franquia ‘Jurassic Park’ - animal esse que não aparece em hora nenhuma no livro - enquanto o roteiro tenta se ausentar do “marasmo” introspectivo e recheado de análises que ocorre no livro (“marasmo” aqui não quer dizer chatice, apenas ausência de cenas de ação).

A necessidade de inserir mais ação se faz visível também no desembolar da história. Um ponto importante do livro, que é o encontro físico dos jogadores Parzival, Aech, Soto e Art3mis aqui é meio que deixado de lado para dar lugar à uma espécie de conspiração, que é inclusive combatida (no filme, não no livro) por uma resistência - como o enredo chefe de 'Star Wars - Episódio IV: Uma Nova Esperança’.

Há também diferenças quanto ao visual dos personagens e seus avatares. Wade Watts, o Parzival, é um típico nerd. Seu corpo muda no decorrer do livro, do sedentarismo ao porte semi atlético, e ele chega inclusive a ficar sem nenhum pelo no corpo inteiro. Tanto é que no final do livro ele ainda está careca. 



O avatar de Art3mis é o mais diferente dentre as descrições. A bela “garota normal” ganhou uma cor de vinho, quase arroxeada, e poucos traços que de fato a façam parecer humana dentro do jogo Oasis. Contudo, o filme desperdiçou parte de seu potencial crítico. Aech, que na verdade é uma preta gorda (palavras da própria, como escrito no livro) aqui não rende tanto debate sobre a aparência que temos  na vida real e a que escolhemos ter na internet. A internet, já nos dias de hoje, é o espaço onde qualquer um pode se passar por qualquer um. Eu mesmo, seguindo essa lógica, poderia ser uma senhora de meia idade com o corpo coberto de cicatrizes pelo auto martírio e estrias gritantes na barriga, contendo uma tosse chata devido à quantidade enorme de cigarros que fumo por dia - e que posso estar fumando enquanto você lê isso, inclusive. E Aech era o personagem que levantava esse debate, mesmo que sutilmente e sob a ansiedade envergonhada de se revelar para o amigo com quem tanto tinha intimidade.

O acréscimo de mais referências da cultura pop e do próprio currículo de Spielberg são um acerto. King Kong, que nem sequer é citado no material original, é a cereja no alto do bolo (ou do Empire State Building, pra ser mais exato). O Gigante de Ferro é outro que não é usado no livro, apesar de ser citado e aparecer rapidamente como opção de robô gigante bônus para Parzival já na virada para o terceiro ato, mas que no filme é uma figura que se destaca perante as tantas outras centenas - talvez milhares - de referências que o filme possui.

O filme consegue ser tão épico quanto o livro, mesmo apesar de sua visão diferente (e observada pelo autor do romance). São materiais diferentes para mídias diferentes em um dos poucos casos onde o filme consegue ser bom como o livro sem ter muita coisa presa à fidelidade. Isso se chama manter a alma da coisa, e não há ninguém com mais tato para adaptação de mídias do que o grande Steven Spielberg.

Veja no cinema, e em IMAX se puder. Vai demorar para vermos outro espetáculo como esse chegando aos circuitos comerciais. E não deixe de ler o livro! Acredite, mesmo tendo visto o filme,o livro ainda te surpreenderá! E você certamente ficará apaixonado com a nostalgia absoluta que Cline introduz a cada nova página.



'Papo de Cinemateca - Muito Cinema pra Todo Mundo' 

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